“a maldade está nos olhos de quem vê”
“O nosso corpo nu, pintado e em luta nas ruas tem um sentindo muito claro: denunciar a violência que sofremos diariamente pelo estigma de sermos putas. Ao gritarmos “Somos Todas Vadias” temos uma dupla intenção de romper com as categorias dadas às mulheres – cocotas, vadias, santas, mães, putas, piriguetes, mulher fácil, mulher honrada – e ao mesmo tempo desfrutar dessa condição – da vadiagem – que nos é constantemente proibida e reprimida.”
Coletiva das Vadias de Campinas, 2013
Celebro a liberdade que exercemos ao desfrutar das maravilhas de nossos corpos. Corpos estes nossos e que nos foram tirados, proibidos e reprimidos.
Saúdo todas aquelas que expondo seus corpos nus, levam a subversão à público, ampliando o impacto dessa revolução que nasceu sobretudo dentro de nós e que sentimos em nossa própria pele.
O que diria Leila Diniz se desse uma olhadinha no Brasil de hoje, radicalizando seu biquini que fez surtar uma geração?
Justo ela, a quem caberia perfeitamente a auto descrição de Ângela Carne e Osso:
“eu sou simplesmente uma mulher do século XXI, sou um demônio anti ocidental, eu cheguei antes, por isso sou errada assim”
Que portas incríveis o feminismo nos abriu nos últimos 50 anos!
Pensei sobre isso enquanto me deliciava com as fotos de corpos nus na minha time line, que deslancharam curiosamente as 20h da última sexta feira.
Notei que as artes eram acompanhadas de uma #EuNãoMereçoSerEstuprada
Uma das amigas nuas me explicou que se tratava de uma campanha em resposta a uma pesquisa divulgada naquela semana mostrando que 65,1% dos brasileiros acha que mulher que mostra o corpo merece ser estuprada.
Foi ai que voltei a pensar na realidade dolorosa e cotidiana vivida por nós, mulheres.
(eu tinha deixado de pensar nisso durante as 4 horas que me separavam do imbecil que havia me bolinado no ônibus)
Isso tudo me fez acabar concordando com um rapaz que desconheço, mas com quem havia me confrontado durante alguns dias numa página do facebook.
Ele me dizia que “a maldade está nos olhos de quem vê”
De fato. Não há maldade no nosso corpo, nosso corpo é delícias, é uma maravilha que nos compõe e que foi feito para desfrutarmos infinitamente.
“a maldade esta nos olhos de quem vê”;
A maldade esta nos olhos das 65,1 % das pessoas que acreditam que o fato de uma mulher expor seu corpo faz com que os homens tenham direito de estuprá-las.
Maldade essa que alimenta e justifica a ação dos homens que violentaram 50 mil mulheres no Brasil durante o ano passado. (número que deve ser muito maior, pois a maioria das mulheres não denuncia a violência sofrida)
O estupro é o ímpeto violento de fazer o que quiser com uma pessoa independente de sua vontade, sem seu consentimento.
O estupro é o ápice de toda uma estrutura de pensamento e relações sociais machistas que envolvem a certeza masculina de que o corpo das mulheres lhe pertencem e que estão ali para satisfazê-los, independente de suas vontades.
A despeito das amarras que conseguimos romper através de uma luta histórica de feministas, vadias, Angelas Carne e Osso e Leilas Diniz,
Há maldade nos olhos machistas que veem e que, quase sempre, se apropriam do nosso exercício de liberdade, do nosso corpo nu, fazendo com que nossa sexualidade seja colocada em função da vontade masculina, invisibilizando o nosso próprio desejo e pervertendo o nosso ímpeto de ousadia.
Nas palavras da Pitty “a máquina patriarcal que opera esses mecanismos acaba sempre nos colocando como bibelôs à disposição – mesmo quando tenta nos convencer de que isso é exercer liberdade.”
Talvez o exemplo mais clássico disso sejam as propagandas de cerveja, onde mulheres expõem voluntariamente seu corpo, exercendo uma liberdade que recentemente conquistamos, mas que é apropriada pelo machismo.
Nas propagandas, sempre direcionadas aos homens, as mulheres são colocadas ao lado do álcool não apenas como atrativo, mas também como mais um gênero consumível.
Seladinha, Gostosa, Devassa – Loira, Ruiva ou Negra
“a mulher ou a cerveja?”
“tanto faz, as duas são gostosas, consumíveis, e foram feitas para meu usufruto.”
Objetificadas, as mulheres são expostas nos mesmos termos do produto que se pretende vender.
Apropriação semelhante acontece nos espaços culturais canábicos quando as mulheres, desfrutando de sua liberdade, posam para fotos com maconha, produzindo materiais para revistas, calendários e concursos de beleza.
A maldade está nos olhos de quem vê e comenta as fotos associando mulher e cannabis: “as duas melhores coisas da vida”.
Ou seja, mulher a maconha dispostos para seu deleite.
E ai você pode me dizer que os autores destes comentários não são, necessariamente, machistas, nem encaram as mulheres como mais um gênero consumível, e também não colocam seus corpos em função do seu desejo. E isso tudo pode até ser verdade.
Mas se os termos pelos quais você expressa o seus desejo são os mesmos usados para objetificar uma mulher, como você espera que as pessoas saibam do que se trata?
Se não há demarcadores claros que coloquem essa diferença, a sua atitude é tão machista quanto uma propaganda de cerveja, não importa o quão subversiva do ponto de vista canábico ele possa parecer.
No ano passado, Stoya escreveu um texto sobre a sua relação com o feminismo.
Dizia que sua escolha em trabalhar na indústria pornográfica, era possível principalmente por causa do caminho aberto pelos 150 anos de feminismo.
Ela narrava seu cotidiano descrevendo seu o esforço por encaixar-se no padrão sexy convencional, e as cenas de sexo heteronormativas que protagoniza – aquelas que sempre termina em seu ponto ápice: a ejaculação masculina.
Apesar de sua liberdade de escolha e do prazer ímpar que ela pode apreciar em seu trabalho, Stoya afirma que não há nada que promova intencionalmente o feminismo no material pornográfico. Ela não o vê como algo que traga em si empoderamento para os envolvidos, inclusive afirma que a pornografia mainstream pode alimentar atitudes machistas e até mesmo agressivas dos caras com relação às mulheres.
Sua conclusão é: “Oi, eu sou a Stoya. Minhas perspectivas políticas e eu somos feministas… Mas meu trabalho não é.”
O que eu quero dizer com tudo isso é que respeito e celebro a liberdade de nós mulheres nos colocarmos nuas para nosso próprio desfrute, privada ou publicamente e que me orgulho em fazer parte do movimento que tornou tudo isso possível.
Mas também que sinto muito pelo fato de não termos controle sobre o que é feito disso. A maldade dos olhos machistas, deturpa e subverte a nossa liberdade, fazendo com que nossa imagem seja objetificada e colocada em função do prazer masculino.
Graças as feministas eu posso usufruir de uma liberdade sexual talvez sem precedentes para uma mulher na história ocidental recente.
Através das vadias pude desenvolver e reverberar empoderamento e segurança inabaláveis que faz com que eu coloque meu corpo nu, privada e publicamente, e me deleite em suas infinitas maravilhas sem me importar com o julgamento alheio.
Mas, infelizmente, ao fazermos isso, descobrimos que a liberdade sexual não é algo que se exerce sozinha. Até porque sexo não é algo que se faça sozinha. Por mais que tenhamos nos libertado da necessidade do julgamento alheio, a maldade dos olhos machistas continua nos devorando.
Para ser livre de verdade não basta apenas mudar o nosso modo de ver, é preciso destruir a maldade machista dos olhos que nos veem.
Eu quero a liberdade de sair sem camisa na rua e ser tratada como mais uma assim como fazem os homens.
Quero ser desejada em termos libertários, semelhantes ao meu desejo e que as pessoas queiram estar comigo com meu pleno consentimento para que juntxs possamos aproveitar as dádivas de nossos corpos.
Eu quero encher a cara de cerveja, tomar um blotter inteiro, fumar maconha ad eternum ou mdma suficiente e ter a certeza de que nenhum desconhecido ou amigo vai, perversamente, abusar do meu corpo, se aproveitando do meu estado alterado de consciência.
Quero que, no desejo masculino, não exista tesão em se aproveitar de uma mulher sem seu consentimento.
Meu cu de bêbada tem dona, e eu quero que ele e todo o resto do meu corpo seja respeitado mesmo e principalmente quando a minha mente estiver viajando.
Eu quero o direito e a liberdade de viajar com o que e com quem quer que seja.
E não quero que a maconha e nenhum outro psicoativo seja legalizado por meio da reprodução de discursos que restringem minha liberdade enquanto mulher.
Como mulher, um antiproibicionismo que não seja feminista é, simplesmente, nulo.
E é por isso que sou feminista e antiproibicionista e vou lutar até que todas sejamos (de fato) livres.
Assina: Feminazi Fanática Caretola Komeines Defensora Da Moral E Do Bons Costumes Mal-Comida Amarga Ríspida Baranga Mal-Amada Arrogante Anti Cristo De Burca Que Vem De Campinas Dar Pitaco Na Marcha Da Maconha De Vossa Propriedade…
Outros textos relacionados:
Coletivo Desentorpecendo a Razão:
http://coletivodar.org/2012/02/sexismo-na-marcha-da-maconha-nao-em-nosso-nome/
Marcha das Vadias e Movimento pela Legalização da Maconha:
https://marchavadiascampinas.milharal.org/2013/10/09/a-luta-anti-proibicionista-tambem-e-vadia/
Cultura Verde e Movimento pela Legalização da Maconha:
http://culturaverde.org/2014/03/29/mulheres-do-cultura-verde-e-mlm-publicam-nota-sobre-genero/
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