“Nãããããããão” – relato de violência sexual
“Em 2008 fui vítima de violência sexual. O ocorrido se deu dentro do campus da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), de dia, a caminho da aula. Estudava num curso noturno e distante do ciclo básico. Fui abordada por um rapaz que me agarrou à força e passou a mão no meu corpo contra minha vontade. A 300 metros da minha faculdade, num lugar um pouco ermo, sem iluminação à noite, mas percurso de todas as pessoas que chegavam a pé ao prédio.
Passado o choque inicial, corri para o prédio da faculdade, onde fui acolhida pela secretária, atenciosa, que me sugeriu que eu registrasse a ocorrência na vigilância do campus. Chamada a segurança do campus, dois seguranças terceirizados seguiram de carro ao instituto, onde registraram a ocorrência. Os seguranças eram solícitos, mas totalmente despreparados para abordar a questão, dois homens que me constrangiam a recontar o episódio no estacionamento da faculdade.
Neste mesmo dia, ao descrever o agressor, fui informada de que havia um estudante que estudava na mesma faculdade que eu,só que no período diurno, que correspondia às características físicas mencionadas por mim, inclusive a descrição da roupa que eu descrevi e usada por ele naquele dia era a mesma. Reconheci o agressor por suas fotos no facebook.
No dia seguinte, segui, indignada, para coordenação e diretoria da faculdade, com o nome completo do estudante, curso etc., todas as informações que eu havia conseguido levantar via DAC e via internet. Minha surpresa foi, ao dar novamente meu depoimento e todas as informações que havia conseguido levantar, o questionamento da diretora da faculdade que me dizia “essa acusação é uma coisa muito séria, você tem certeza do que está falando?”
Mais uma vez constrangida, sai enfurecida da Unicamp e segui para registrar um boletim de ocorrência na delegacia de Barão Geraldo. A diretoria da faculdade, preocupada, mandou outro segurança terceirizado para “me acompanhar à delegacia”. Não no sentido de me assistir ou orientar, algo ele não tinha a menor condição e formação para fazer, mas no sentido de acompanhar meu depoimento e repassar tudo aquilo que eu estava registrando no boletim para a instituição, pois ali ficou claro para mim que a preocupação da diretoria era em zelar pelo nome da Unicamp, já que se tratava de um aluno, e não de me dar qualquer assistência. É constrangedor ter de descrever uma cena de violência sexual na presença de qualquer pessoa, ainda mais um (homem) segurança da Unicamp e os funcionários da delegacia. No final do depoimento o tal guardinha estava mais constrangido do que eu.
Depois disso, não tive mais nenhuma resposta ou posicionamento da oficial da Unicamp. Após uns 15 dias, porém, recebi um telefonema da faculdade, em que eu era convocada para uma sindicância, para dar “esclarecimentos”. Neste telefonema, nenhuma informação complementar me foi dada. Tentei por diversas vezes me informar do que se tratava, o que era uma sindicância daquele tipo, o que eu deveria fazer, quais eram as condições em que deveria dar meus “esclarecimentos”. Como vítima, como quem havia iniciado o processo, eu, mais do que ninguém tinha o direto de saber quais eram as ações que a Unicamp e a faculdade estavam tomando para resolver o problema ou para “apurar” a acusação. Fui informada que não poderia saber de nenhum tipo de informação referente à sindicância, já que ela corria em sigilo (inclusive da vítima). Marcaram então o meu “depoimento”. No horário diurno, na faculdade, período e local em que estudava o meu agressor. Sinceramente, não acredito que exista maneira de tratar o assunto com mais despreparo e descaso.
Chegando lá, sem saber do que se tratava, qual era a finalidade daquele processo, quantas pessoas seriam “convocadas” ou inclusive se o agressor seria também ouvido, naquele ou em outro momento, fui colocada para descrever novamente o episódio, para uma “banca” de 4 outras pessoas, numa situação mais uma vez muito constrangedora.
Além de serem compostas por homens que nunca tinha visto, algumas das pessoas dessa “banca” eram inclusive meus professores (!).
Neste “depoimento” fui várias vezes questionada por essas pessoas, que avaliavam minhas respostas como se eu estivesse em um julgamento, fazendo caras de discordância ou não e anotações. Havia ainda uma das pessoas desta “banca” que fazia perguntas de uma maneira como se quisesse tentar me pegar em contradição ou me confundir no meu discurso. Desnecessário expor uma pessoa que foi vítima de um ato tão humilhante a uma situação dessas.
Depois desse acontecimento, fiquei muito aliviada de me formar ao final de 2008.
Não tive nenhuma informação sobre o andamento deste processo, sobre qualquer decisão da Unicamp enquanto instituição, ou da faculdade. Não recebi nenhum tipo de comunicação formal ou informal do que teria acontecido com o agressor e quais foram as conclusões a qual chegou a tal sindicância. Acredito que a tentativa da Universidade foi abafar o caso.
Com a abertura do boletim de ocorrência na delegacia, a denúncia seguiu seu curso para uma acusação formal. Eu e o agressor fomos convocados a comparecer perante um juiz. Ele se declarou culpado da acusação, e, como na época o episódio não poderia ser caracterizado como estupro e sim como “contravenção penosa”, sua pena foi estipulada no pagamento de uma cesta básica.”
Anônima (porém não calada)
Arquivos
- maio 2017
- abril 2017
- março 2017
- outubro 2016
- agosto 2016
- julho 2016
- junho 2016
- maio 2016
- março 2016
- fevereiro 2016
- janeiro 2016
- novembro 2015
- outubro 2015
- setembro 2015
- agosto 2015
- julho 2015
- junho 2015
- maio 2015
- abril 2015
- março 2015
- fevereiro 2015
- janeiro 2015
- outubro 2014
- setembro 2014
- agosto 2014
- julho 2014
- junho 2014
- maio 2014
- abril 2014
- março 2014
- fevereiro 2014
- janeiro 2014
- dezembro 2013
- novembro 2013
- outubro 2013
- setembro 2013
- agosto 2013
- julho 2013
- junho 2013
- maio 2013
- abril 2013
- outubro 2012
- agosto 2012