toda manifestante é vadia – toute manifestante est salope
Escolhemos – entre as dezenas de relatos de violência que podem ser encontrados no tumblr “Feridos no protesto em São Paulo” – replicar aqui no blog esse relato anônimo de uma manifestante ocorrido no dia 13/06/2013 em São Paulo (http://feridosnoprotestosp.tumblr.com/post/52979047001/atencao-relato-de-violencia-policial-cometida). ps: fizemos uma versao traduzida em francês logo abaixo (em breve publicaremos também em ingles).
“Talvez o relato falhe por escaparem-me detalhes como os horários e a sequência dos fatos, pois estava sozinha – e perdida de todos que esperava encontrar, ou surda pelo terror do que não esperava encontrar. O fato é que estava lá, levando minha presença como única forma possível de apoio à manifestação que me era possível naquele momento, acreditando como todos que dessa vez algo era diferente, algo era como não era há muito tempo. Durante parte desse “muito tempo”, restringi-me a manifestações em nome do respeito irrestrito à minha existência como mulher – e não, como se pode pensar, à minha “condição” de lésbica pois nada se condiciona a isso. Ontem, pensei estar na rua por outra causa – e percebi que a causa sempre será a mesma.
Foi até curioso como num primeiro momento senti algo de libertário e igualitário na ideia de que sublimavam-se as diferenças entre os manifestantes para que a mesma bandeira fosse levantada por todos – e fiquei inebriada nessa inocência até ser lembrada de que o senso de solidariedade coletiva pode até parecer se esquecer das diferenças – mas a repressão não. Fui tratada como igual durante os tiros de bala de borracha, as bombas de gás, a correria, o desespero, o não saber para onde ir, a tentação de se arrepender por estar ali – mas não quando a repressão tomou forma e corpo de homem, de farda, sem identificação, aquela que tem forma mas não tem rosto, ainda que eu saiba que é um rosto do qual eu não vou me esquecer. No desespero e ineficiência da corrida, fui pega pela gola da camiseta do MPL que ganhei de presente de uma amiga militante – e que tive orgulho de usar. Não me lembro se houve abuso na revista. Mas nada foi encontrado – então a frase que ouvi foi “tira a blusa, vagabunda”. Eu teria começado a chorar de pânico ali, se o recurso não estivesse sendo gasto pela resposta fisiológica ao gás lacrimogêneo. Disse que não. Tomei um tapa na cara que me fez engasgar no soluço do choro que não saía. Fui segurada pelo rabo de cavalo e bem perto do meu ouvido ainda quente da agressão, ouvi “tira a blusa que vou levar de souvenir”. Disse que não mais uma vez, dessa vez pedindo por favor, e a resposta foi um puxão pela gola da camiseta até rasgá-la, e eu fiquei lá, de sutiã, diante de três (ou eram mais?) policiais, que passaram minha blusa de mão em mão dizendo procurar cheiro de vinagre mas “que delícia esse perfume, hein, vadia”? A impressão que tive era que o mundo inteiro não existia mais, nem o mundo, nem a causa, nem eu mesma, nem eles, só o medo e o vazio e o barulho de todo um universo que parecia se afastar; e fiquei em silêncio. O silêncio foi interrompido pelo zunido dentro da minha cabeça quanto o policial que acabara de jogar minha camiseta no chão passou o cassetete pelo meu sutiã, sorriu e disse que estava na dúvida se ia “querer só a camiseta de lembrança do nosso encontro”. Já ouvi dizer que nosso inconsciente não sabe processar a negativa, mas tudo que pude repetir, baixo e alto, foi “por favor, não”. Nessa hora, do vazio ao redor, uma pedra atingiu o ombro daquele homem, e os três correram para conter o vandalismo contra o tal aparelho do estado. Peguei minha camiseta e corri, nem sei pra onde, nem sei como, nem sei quem – eu acho que naquela hora eu nem sabia quem estava correndo, e nem do quê.
Curiosamente, poucos meses antes, eu estava naquele mesmo lugar, de sutiã, em protesto, exigindo ter maior propriedade sobre meu corpo e sobre as decisões a ele pertinentes. Eu acho que não consigo lembrar da sensação de outrora de orgulho por entender que a imagem do meu corpo não significa a exibição dele – não sou uma objeto de arte para ser exibido. Naquele momento, tudo que havia era o medo e a vergonha, essa que eu nem sei do que, e nem sei por quê. Talvez vergonha por ter acreditado que naquele momento limítrofe de barbárie, estavam desconstruídas também as convenções sociais – não só as que prezam pelo mínimo de respeito, ética e moral, mas também as que me oprimem como mulher -, e que pelo menos naquele momento meu alerta poderia estar voltado a algo que me competisse dissociado do meu gênero. Acho que o ferimento que doi mais nem passa perto de ser o ponto que restou na minha boca (que – veja só que poético – confunde o gosto de amargo que ficou nela desde então); é aquele irreversível, aquele que invalidou todo um sentido de existência do qual achei que tivesse me apropriado, aquele que manchou o orgulho que sempre tive de usar o meu corpo como mensagem de resistência. Foi uma marcha de vadia só. Ontem, tive vergonha por perceber que ainda sinto deixar que meu corpo seja usado contra mim por mais que brande o contrário – e medo por ver que externa e internamente, esta batalha está longe de acabar.
No entanto, nem tudo é decepção. Perceber-se quebrável, sensível e frágil rende um primeiro momento de sentimento de impotência, incompetência, inoperância… mas um segundo momento de fagulha de euforia, ânimo e esperança também, ao perceber que outros que amanheceram – como eu – quebrados, estão aos cacos se juntando e contando histórias e planejando como será o amanhã. Se vale a metáfora, somos vários vasos quebrados que agora desistiram de colar suas próprias peças numa imitação do que costumavam ser. Hoje somos um vitral. Hoje queremos ser um mosaico que junte os cacos que a repressão deixou para montar o nosso próprio afresco. Pra saber que dessa história, sim, todos fazemos parte – ainda que aos pedaços. E essa obra vale bem mais que 20 centavos.”
…
FRANÇAIS: toute manifestante est salope
INTRODUCTION: À São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasilia et dans d’autres villes au Brésil, la jeunesse et plusieurs personnes participent des manifs de cette semaine-là. Ils veulent revendiquer la justice sociale, le droit à la ville, la mobilité urbaine et le accès a tous les bien public. Les manifs ont eu lieu à cause d’augmentation du billet de transport public. À São Paulo, en 2003 le tarif de bus était R$1,40 et en 2013 est de R$3,20 ; à Rio en 2002 la tarif était R$1,20 et en 2013 est R$2,95 (l’appelé « quentão » ou « très chaud », selon la Société de Transport Public – Rio Onibus). Le salaire minimum est de moins de 250 euros… Le mouvement grandit très vite et maintenant il y’a plusieurs autres réclamations. La police militaire a réprimé violemment les manifestants et des centaines de personnes ont été blessés et des dizaines sont arrêtés. Il y a aussi de violence contre les femmes pendant les manifs… Donc, même dans une lutte qui n’est pas liée d’une manière spécifique les enjeux féministes, il y a des violences aux femmes… On envoie une récit anonyme de violences policières commises contre une manifestante qui participait au manif du 13/06/2013, à São Paulo (in: http://feridosnoprotestosp.tumblr.com/post/52979047001/atencao-relato-de-violencia-policial-cometida):
“Peut-être que le récit manque de détails comme l’heure et la succession des événements, parce que j’étais seule – et perdue face à tout ce que j’étais en train de vivre, ou sourde à cause de la terreur qui m’assaillait et à laquelle je ne m’attendais pas. Ce qu’il s’est passé, c’est que j’étais là, ma présence étant à ce moment-là le seul moyen pour moi de soutenir la manifestation. En croyant, comme toutes et tous, que cette fois quelque chose avait changé, un quelque chose qui ne s’était pas produit depuis longtemps. Pendant tout ce temps, je m’étais limitée à des manifestations en faveur du plein respect de mon existence en tant que femme – et non pas, comme on pourrait le penser, de ma « condition » de lesbienne, puisque ça va bien au-delà de ça. Hier, je pensais que je manifestais dans la rue pour une défendre une cause différente – et je me suis rendu compte que la cause que j’aurais à défendre serait finalement toujours la même.
Curieusement, j’ai d’abord senti quelque chose de libertaire et d’égalitaire dans l’idée que les différences entre les manifestants étaient sublimées pour parvenir à réunir tout le monde sous le même drapeau – et j’étais bercée dans cette innocence jusqu’à ce que l’on me ramène à la réalité : bien que le sens de la solidarité collective puisse nous faire oublier les différences, la répression, elle, nous les rappelle. J’ai été traitée comme les autres pendant des tirs de balles en caoutchouc, des gaz lacrymogènes, la dispersion, j’ai ressenti le même désespoir, la même désorientation, la même tentation de regretter d’être venu. Mais les choses ont changé lorsque la répression a pris la forme et le corps d’un homme, en uniforme, non identifié, une forme qui n’a pas de visage ; et pourtant, ce visage qui n’en est pas un, je sais que je n’oublierai jamais. Dans le désespoir et l’inefficacité de la course, j’ai été attrapée par le col de mon T-shirt du MPL (Mouvement Billet Gratuit), un cadeau que m’avait fait une amie militante – et que j’étais fière de porter. Je ne me souviens pas s’il y a eu des abus pendant la « fouille » de la police. Mais rien n’a été trouvé – alors j’ai entendu cette phrase : « enlève ton T-shirt, salope ! ». À ce moment-là j’aurais commencé à pleurer de panique, si mes larmes n’avaient pas été déjà épuisées par la réponse physiologique aux gaz lacrymogènes. J’ai refusé. J’ai pris une gifle sur le visage qui m’a fait étouffer le hoquet d’un sanglot qui ne voulait pas sortir. On m’a attrapée par les cheveux et, tout près de mon oreille, bien qu’encore sonnée par l’agression, j’ai entendu : « enlève ton T-shirt, je vais le garder en “souvenir” ». J’ai refusé de nouveau, mais cette fois, en ajoutant « s’il vous plaît »… Sa réponse a été de tirer brusquement et violemment du col de mon T-shirt pour le déchirer, me laissant plantée là, en soutien-gorge, devant trois (ou plus ?) policiers, qui se sont passé mon T-shirt de main en main en disant qu’ils voulaient s’assurer qu’il ne sentait pas le vinaigre, mais « quel bonheur ce parfum, hein, salope ? ». J’ai eu l’impression à ce moment-là que le monde entier s’était évanoui, que le monde n’existait plus, ni la cause défendue, ni moi, ni eux. Seulement la peur et le vide, et le bruit de tout l’univers qui semblait s’éloigner ; je me suis alors tue. Le silence fut interrompu par un bourdonnement dans ma tête quand le policier a jeté mon T-shirt au sol et a passé sa matraque sur mon soutien-gorge. Il a souri en disant qu’il ne savait pas s’il était sûr de vouloir se contenter du T-shirt en souvenir de notre rencontre… J’ai déjà entendu dire que notre inconscient ne savait pas traiter la « négation », et j’en ai fait l’expérience à ce moment-là : tout ce que je parvenais à dire et à répéter, tantôt à voix basse, tantôt à voix haute, c’était « s’il vous plaît, non ». À ce moment-là, une pierre, surgie du vide qui nous entourait, a frappé l’épaule de cet homme, et les trois policiers se sont précipités pour mettre fin au vandalisme qui s’élevait contre eux, les représentants de l’appareil de l’État. J’ai attrapé mon T-shirt et j’ai couru, sans savoir où, comment, ni vers qui” – je crois qu’à ce moment-là, je ne savais ni de qui je fuyais, ni de quoi.
Étrangement, quelques mois auparavant je m’étais trouvée dans la même place, en soutien-gorge, pour protester, exiger plus de propriété de mon corps et des décisions qui le concernent. Je crois que je ne me rappelle pas avoir ressenti plus grande fierté que lorsque j’ai pris conscience du fait que l’image de mon corps ne signifiait pas l’exhibition de celui-ci – je ne suis pas une œuvre d’art destinée à être exposée. À ce moment-là, je ne n’ai ressenti que peur et honte, sans savoir de quoi, ni pourquoi. Peut-être la honte d’avoir cru à ce moment-là, frôlant la barbarie, que les conventions sociales avaient été aussi déconstruites – non seulement celles qui garantissent un minimum de respect, d’éthique et de morale, mais aussi celles qui m’oppriment en tant que femme – et d’avoir cru qu’au moins à cette occasion mon cri d’alerte pourrait s’élever pour défendre une cause qui n’avait rien à voir avec mon genre. Je pense que la blessure qui me fait souffrir le plus, ce n’est pas tant ce point de suture que je garde au niveau de la bouche (qui – d’une manière finalement poétique – masque le goût amer qui m’est resté dans la bouche depuis cet évènement); mais plutôt cette chose irréversible qui a détruit en moi tout un sentiment d’existence que je croyais acquis, cette chose qui a entamé la fierté avec laquelle j’avais toujours utilisé mon corps comme un message de résistance. Ça a été une « marche des salopes » solitaire. Hier, j’ai eu honte de constater que je sentais encore que mon corps pouvait être utilisé contre moi, bien que j’essaie de me convaincre du contraire. Et j’ai été effrayée de constater que cette bataille, aussi bien à l’extérieur qu’à l’intérieur, était loin d’être terminée.
Cependant, tout n’est pas déception. L’impression d’être ébranlable, sensible et fragile fait d’abord naître un sentiment d’impuissance, d’incompétence, d’inefficacité… mais cela fait aussi jaillir dans un second temps une étincelle d’enthousiasme, de courage et d’espoir, lorsque l’on voit que d’autres personnes, qui se sont retrouvées – comme moi – brisées, se rassemblent autour des ruines pour raconter leur histoire et se préparer à ce qui les attend demain. Si je peux me permettre une métaphore, nous sommes de nombreux verres brisés qui ont maintenant renoncé à recoller leurs propres morceaux pour en faire une copie de ce qu’ils étaient avant. Aujourd’hui, nous sommes un vitrail. Aujourd’hui, nous voulons être une mosaïque qui rassemble les éclats épars que la répression a laissés derrière elle et créer notre propre fresque. Pour faire savoir que cette histoire, oui, nous y avons tous pris part – même en morceaux. Et cette œuvre d’art vaut bien plus que 20 centimes de réais.”
« exercice de traduction libre » de Diana Helene et Rossana B.Tavares
ENGLISH (COMING SOON): every women protester is a slut
À São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasilia et dans d’autres villes au Brésil, la jeunesse et plusieurs personnes participent des manifs de cette semaine-là. Ils veulent revendiquer la justice sociale, le droit à la ville, la mobilité urbaine et le accès a tous les bien public.
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